sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O PAPEL DO JOGO COM GRUPOS DE CRIANÇAS COM DIAGNÓSTICO DE TDAH



Utilizados terapeuticamente, os jogos de mesa podem exercer diferentes papéis. Diante da situação do brincar em grupo utilizando jogos é possível avaliar o repertório comportamental da criança na interação com o terapeuta e com as demais crianças (situação muito próxima da real), já que é na relação da criança com o meio que os comportamentos-problema da vida cotidiana são emitidos e podem ser melhor trabalhados (Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000). O contato da criança com o jogo proporciona também o acesso a sentimentos e outros comportamentos encobertos, na medida em que ao jogar a criança expressa o que sente e o que pensa (Macedo, Pitty & Passos, 2000).
O caráter lúdico dos jogos permite o desenvolvimento de boa relação interpessoal entre terapeutacriança e criança-criança, contribuindo para que habilidades motoras, cognitivas, sociais e acadêmicas, muitas vezes deficitárias, sejam desenvolvidas mediante um ambiente reforçador (Shives, 2007). Além disso, o jogo pode ser utilizado como uma fonte de reforçamento na situação de terapia, na medida em que é usado como uma conseqüência positiva diante de comportamentos desejáveis emitidos pela criança. Deste modo, ao emitir um comportamento desejável pouco freqüente em seu repertório, como o de permanecer sentado durante a atividade, por exemplo, poderá receber como conseqüência desse comportamento o direito de escolher o próximo jogo.
A situação de jogo no contexto de grupo propicia a exposição direta das crianças a situações de interação social, possibilitando ao terapeuta visualizar os fatores que infl uenciam e mantém os comportamentos da criança e manejar adequadamente habilidades sociais num contexto protegido e quase natural, já que o comportamento de brincar é comum entre as crianças em diversos ambientes (Guerreras, Bueno e Silvares, 2000). Além disso, o jogar em grupo possibilita que a criança aja diretamente sobre o comportamento das outras crianças, modifi cando-os (Ferraz, 2005). Tendo em vista que crianças com tal diagnóstico podem apresentar prejuízos nas interações sociais, os comportamentos importantes para o estabelecimento de um bom relacionamento interpessoal que podem ser instalados na situação de jogo são: contato visual adequado, oferecer ajuda para guardar os materiais e arrumar o ambiente terapêutico, ajudar ou pedir ajuda ao amigo quando encontrar Dificuldades, pedir para escolher o jogo, pedir permissão para pegar ou manusear materiais da sala de terapia, manusear adequadamente os materiais, responder verbalmente ao amigo ou terapeuta quando for solicitado, perguntar quando não entende instruções ou regras estabelecidas, falar somente quando outra pessoa não estiver falando, falar em tom de voz adequado, fazer somente comentários positivos em relação a si mesmo e aos demais, aprender a ceder, aprender a reclamar e exercer direitos assertivamente.
Ao entrar em contato com as regras do jogo a criança tem a oportunidade de aprender a seguir regras em uma situação concreta. Dentre os comportamentos de seguimento de regras que podem ser observados a partir da situação de jogo estão: o comportamento de engajar-se em atividades propostas pelo terapeuta frente a instruções dadas, o de aguardar a vez para jogar e o de atender a solicitação dada na situação.
Além destas regras, outras são elaboradas juntamente com as crianças no início do processo terapêutico e que envolvem o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas para o enfrentamento de situações desafi adoras (Ferraz, 2005). Estas regras são também utilizadas para promover a avaliação e auto-avaliação do desempenho de cada criança. Na sala de terapia ficam afixadas em lugar visível, visando o acesso às regras pelas próprias crianças e pelo terapeuta. Algumas sugestões de regras podem ser desenvolvidas, como: errar pode, desistir nunca; falar somente quando outra pessoa não estiver falando; falar baixo; não fazer comentários sobre o comportamento de outras crianças da sessão, que as coloquem em situação desfavorável; esperar a vez; elogiar o amigo; resolver impasses de relacionamento de forma não agressiva.
No início, provavelmente, o comportamento de seguir regras é instalado e mantido utilizando-se conseqüências sociais e arbitrárias planejadas pelo terapeuta (ex. elogios pareados a confeitos de chocolate e a pontos extras no jogo, por exemplo), mas na medida em que a criança entra em contato com as conseqüências naturais reforçadoras, o comportamento adquirido também pode ficar sob controle dessas conseqüências naturais (ver Catania, 1999, p. 279). Consequentemente, a criança pode aprender comportamentos escassos no seu repertório, fundamentais para um bom desempenho em diversas atividades que venham a desenvolver. Por exemplo, uma criança que freqüentemente tem um desempenho ruim em jogos porque na maioria das vezes fala junto com terapeuta ou colega que está explicando o jogo, pode vir a ter um desempenho melhor do que o habitual quando segue a regra de "esperar a vez para falar", não só em função de conseqüências arbitrárias, mas porque também entrou em contato com as conseqüências naturais do jogo (ex. aprendeu as possibilidades do jogo e pode fazer melhor suas escolhas dentro dessas possibilidades).
A situação de jogo propicia ainda o desenvolvimento de repertório atencional, dentro do qual estão comportamentos como o de focar a atenção em estímulo discriminativo relevante, de manter a atenção por mais tempo, de continuar uma tarefa mesmo com interrupções e de continuar uma tarefa mesmo com estimulação concorrente frente a estímulos relevantes. Na situação de jogo trabalha-se com tais comportamentos o tempo todo, na medida em que sem os mesmos não é possível desempenhar-se adequadamente e obter resultados favoráveis no final das partidas.
Além disso, trabalha-se com comportamentos de organização como arrumar os materiais do jogo de forma eficaz sobre a mesa para garantir melhor desempenho e começar um novo jogo somente quando o material do anterior já estiver guardado.
Os temas e assuntos abordados no jogo podem propiciar à criança o aprendizado de conteúdos abstratos e de entrar em contato com novo conhecimento, desenvolvendo o repertório cognitivo e acadêmico. O jogo também pode aproximar a criança de conteúdos escolares (matemática, história, geografi a, português) ao ser apresentado com níveis graduais de dificuldade. A intervenção realizada pelo terapeuta modela habilidades importantes no repertório comportamental para aquisição destes conteúdos. Por meio dos desafios propostos pelos jogos, o terapeuta tem a oportunidade de desenvolver habilidades de enfrentamento, ao mostrar à criança que o mais importante na situação de jogo não é a vitória, mas a persistência na resolução do desafio e superação das dificuldades. E mais, que para ganhar é preciso emitir comportamentos desejáveis durante a situação de jogo e nunca desistir do desafio. Assim, ganhar não é questão de sorte, e perder e errar fazem parte do processo de jogar (Ferraz, 2005; Aguilar & Valle, 2005). Desta forma, o terapeuta cria condições que podem favorecer a criança a perceber que a maneira como ela se comporta está relacionada às conseqüências que terá.
Essa exposição a conteúdos desafiantes no contexto de jogo abre caminhos para que o terapeuta possa modifi car o autoconceito da criança, muitas vezes prejudicado, pela história de punição ao qual pode ter sido exposta. Esta modifi cação é possibilitada pelo fato de a criança entrar em contato com conteúdos escolares de forma gradual por intermédio de uma atividade lúdica (jogo), na presença de um adulto que não pune os seus comportamentos, incentivando-o constantemente a buscar alternativas para resolver as Dificuldades, sem desistir (Macedo, Pitty & Passos, 2000). Assim, uma vez restabelecido o conceito positivo sobre si mesma, a criança passa novamente a entrar em contato com tais conteúdos, por perceber que esse contato pode ser prazeroso e não gerar punição como antes, caso a criança tenha tido seu autoconceito prejudicado.
Logo, o trabalho com jogos dá à criança a oportunidade de se comportar e de organizar as contingências em vigor na medida em que aumenta a probabilidade de ela relacionar o seu comportamento à conseqüência obtida. Durante a execução do jogo, o comportamento da criança é permanentemente descrito pelo terapeuta ao relacioná-lo com a devida conseqüência. Assim, ao relacionar o bom desempenho da criança no jogo a comportamentos como manter a atenção a estímulo relevante, planejar e desenvolver estratégias antes de fazer jogadas aleatórias, permanecer sentado ou esperar a sua vez de jogar, o terapeuta mostra à criança, mais uma vez, que a maneira como ela se comporta está diretamente relacionada às conseqüências que terá, envolvendo a criança diretamente na identifi cação de variáveis de controle do seu próprio comportamento.
Além disso, uma vez utilizado para planejar um ambiente propício ao desenvolvimento de habilidades, os jogos favorecem também a aplicação de estratégias comportamentais tais como modelação, modelagem, feedback positivo e ensaios comportamentais (Ferraz, 2005). Assim, comportamentos como baixo autocontrole, baixo controle por regras, baixa auto-estima, baixa tolerância à frustração e excessos comportamentais (como movimentos e vocalizações em alta freqüência) diminuem de freqüência e novos comportamentos que tem a probabilidade de gerar mais reforço positivo do que punição são instalados.
Outra vantagem que o contexto de terapia comportamental em grupo com jogos propicia é a semelhança das habilidades e comportamentos modelados que também são exigidos nos demais âmbitos de vida da criança (escola, social) (Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000). Conseqüentemente, essa semelhança aumentaria a probabilidade dos comportamentos modelados na terapia serem generalizados para outros ambientes da criança.
Diante desta perspectiva, pesquisas mostram a importância do jogo em terapia (Bayat, 2008; Diaz & Lieberman; 2010; Filaccio, 2009; Lawver & Blankenship, 2008; Liles & Packman; 2009; Thiennemann, 2005; Millard & Cook, 2010; Reddy, 2010) e o seu papel em auxiliar a criança a estabelecer novas relações com os colegas, com adultos (terapeuta), com a situação de atividade e com os conteúdos pedagógicos às quais é exposta, na medida em que aprende a se comportar de forma diferenciada frente ao novo ambiente e pode generalizar tal atuação para os demais ambientes de sua vida (Ferraz, 2005; Gadelha & Menezes, 2004; Thiennemann, 2005; Regra, 2000; Silvares, 2001).

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